sexta-feira, setembro 22, 2006

Sobrevoando.



Outro dia estava aqui pelo centro passeando, andando a toa, só para matar o tempo e pensar na vida. Estava lá na Vieira, perto do Largo. Gosto dessa rua, é arborizada, gostosa de andar. Então o vi. Na verdade foi ele quem me viu primeiro. Apenas o percebi porque notei alguém virando para trás depois que passei e isso me chamou atenção. Costumo andar solta, sem notar quem me olha ou conhecidos. Ando para mim, para meus pensamentos.

Seus olhos eram azuis e grandes. Muito bonitos. Os cabelos grisalhos na altura dos ombros. Tinha um olhar penetrante, daqueles que deixam claro que estão olhando. Seu olhar dizia querer conversar, seu corpo deu sinais de que viria ao meu encontro. Recuei, virei e continuei caminhando.

O senti relutante, entre me abordar ou seguir seu caminho. Sabíamos que nos veríamos de novo. Saquei isso instantaneamente, ele confiou nessa percepção. Continuou seu caminho, respirei aliviada. Aquela não era a hora.

Pensei nisso enquanto andava. Por que há pessoas que simplesmente sabemos que serão presentes? Tenho dessas coisas, costumava ignorar isso, hoje apenas confio no que sinto nessas ocasiões.

Fui até a República, vi uns quadros, as obras que separam as pessoas do pouco de verde que resta nessa cidade cinza. Resolvi voltar e sentar num banco do largo para observar as pessoas que passavam, sentindo o vento e ouvindo o barulho das árvores. Mentira. Senti vontade daquele olhar em mim novamente. Gostei do desafio implícito.

Desafios me movem, sempre me moveram. O óbvio e a normalidade me entediam. Talvez por isso viva minhas relações na mais absoluta contradição. Tenho uma aguçada percepção das pessoas e uma enorme dificuldade em confiar. Se já o vi mentindo para outro, esqueça. Saberei que essa será sua forma de agir comigo também. Nunca mais o verei com os mesmos olhos. Exceções confirmam a regra, pessoas mentem. Prefiro insistir na exaustiva verdade cotidiana. Pequenas reações desvendam pessoas. Sou como uma ave de rapina que sobrevoa entranhas. Deplorável.

Pensando nessas coisas recolhi minhas asas para sentar no banco e apreciar a paisagem. Estava tão entretida em meus pensamentos que já havia esquecido os olhos azuis. Sentia uma brisa refrescante naquela tarde cinza, mas quente. Olhei para cima e observei os galhos revestidos por pequenas folhas verdes, num contraste agradável. Sentia-me bem, mas era momento de ir trabalhar. Levantei-me e o vi sorrindo, observando-me de longe, sentado em outro banco. Retribui o sorriso e fui. Ainda não era a hora.

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