quarta-feira, outubro 24, 2007

Ir?


Tenho sempre muita vontade. Ela quem me move ou paralisa-me. Nem sempre sei sua direção.

Ultimamente uma vontade tem sido meio autônoma, quase um outro eu.,obrigando-me, com muito esforço, a seguí-la.

Olho-a de fora, num cantinho, encolhida, esperando aonde me levar... Só assim posso contestá-la. Os dias pouco me provocam e ela cutuca-me insistente nesse seu pedestal insuportável de quem acredita saber tudo.

Mesmo com a certeza de que a importância alçou vôo e foi-se a um lugar não sabido e possivelmente inabitado, aprendo que a escassez comanda e os lugares são a idiossincrasia da mediocridade humana.

Minha vontade essa semana pede-me, implora-me que feche os olhos serenamente para nunca mais ...

segunda-feira, outubro 08, 2007

Histórias de Itaqua I


Nada como um final de semana em boa companhia para reequilibrar-me. Nesse, fui para Itaquaquecetuba, cidade de nome estranhoe que guarda muitos mistérios...

Havia já dois anos que uma grande amiga me convidara para conhecer sua nova casa. Ela, uma professora de português aposentada, que por questões de sobrevivência, fez novo concurso e escolheu aulas por lá.

Num rasgo de romantismo relembrou sua infância pobre e decidiu-se por manter-se naquela paragem, dando aulas para a molecada que anda de pés no chão, que nem sempre tem o que comer, muito menos atenção na sua educação escolarizada.

Cheia de vontade de acertar, escolheu uma escola num bairro afastado de Itaqua, num lugar esquecido por quase todos...Quase...

Num sobe e desce morro, nas frias/quentes/chuvosas ou secas manhãs desse lugar, lá vai ela, na altura de seus 55 anos de idade, transformar a curiosidade juvenil em palavras de solidariedade e visibilidade de um cotidiano sofrido, mas que, no mundo pré e adolescente se traveste de magia. Banhos de rio, catar fruta no pé, brincar na rua com os amigos, correr sem rumo...Olhar lânguido o menino ou menina que lhe atrai...

Raras vezes senti-me tão orgulhosa das opções de meus parcos amigos. Não é nada fácil largar a rotina paulista, com todos as suas benesses e dificuldades para se aboletar numa casa simples, com quintal de terra batida, onde a falta de chuva massacra as plantas e deixa tudo da mesma cor. Mas ela estava decidida num novo caminho. Ainda bem.

Conhecida na rua e adjacências como a professora, é assim que lhe chamam em casa, num quase entrar pela porta, gritando da soleira : _ "Ô, professoooooooora". E lá vai ela atendê-los com sua boa vontade cercada de gatos. Atende à todos, oferece-lhes comida, dá-lhes atenção. É uma pessoa muito querida nessa comunidade, respeitada pelo seu trabalho. E é dele que quero falar...

Na nossa ingenuidade de cidade grande pensamos que algumas histórias não são mais possíveis em pleno século XXI. Ledo engano. Numa escola estadual, de fora do asfalto, nessa região, não é raro, infelizmente, que diretoras e coordenadores, se entendam no direito de solapar o presente e o futuro dessa meninada empobrecida. Essas cracatuas enlouquecidas, fazem acordos sórdidos, com não professsores (gente que faz uma faculdade vaga e acha que virou educador) para que faltem, à módicos $20 reais sem apontamento da falta no livro-ponto.

É assim. Não se tem trabalho com nada, exceto esse de matar essa juventude em vida, impedindo-lhes o direito de construir saber formalizado. Dos 63 professores dessa escola em questão, apenas 8 se revoltam e numa contramão surda e cotidiana, insistem em dar aulas todos os dias, em não coadunar com esse descaratismo e a respeitar jovens e comunidade com seu trabalho incansável de educadores engajados na certeza de que é fundamental encarar a escola pública e sua educação com seriedade e compromisso com a socialização do conhecimento científico .

Valores obsoletos para os detentores do poder, seja local ou macro. Uma escola esquecida, numa região pobre, com crianças destinadas ao analfabetismo, exceto por 7 guerreiros encabeçados pela realeza desprovida de poder, mas repleta do que de melhor se faz uma mulher : Inteligência, coragem, criatividade, sensibilidade, altruísmo e uma generosa dose de carinho!


Para esses oito educadores meu respeito e minha solidariedade. Às diretoras, coordenadores, prefeitura e demais governos construtores da miséria meu mais profundo repúdio!!