segunda-feira, outubro 30, 2006

Enquanto isso...


Era uma situação inquietante. Eu ainda estava casada e morava em Japaratinga. Um lugar lindo, uma aldeia de pescadores. Nossa casa era quase na praia. Numa noite em específico o vento zunia pelo telhado e ninguém se atrevia a sair de casa. De nenhuma casa, aliás. Depois soubemos que ele passou por lá a uns 90 km por hora. Abri a meia porta da frente para, protegida, ver como estava tudo. Céu escuro, os coqueiros se esforçavam para não serem levados pelo vento em fúria. Só ouvíamos os barulhos e havia muita areia no ar. Pensei no mar...

Quando adolescente tinha um sonho recorrente, onde apesar de não conhecer as pessoas, transitava por todas elas com familiaridade. O sonho se desenrolava no litoral, nele, eu sabia que deveria subir, ir ao lugar mais alto que conseguisse, levar quem pudesse convencer. Poucos me acompanhavam. Afinal o mar estava calmo, as pessoas nadavam tranquilas, brincavam felizes... Somente eu tinha a sensação de que aquele quadro bonito de tarde ensolarada fosse mudar. E mudou. Sempre mudava, por mais que eu tentasse alterar meu sonho. De repente, o mar recuava e eu, lá do alto, via as ondas virem. Enormes, velozes, levando todos na praia. Eu sentia uma grande agonia e acordava assustada. Sonhava isso várias vezes por semana.

Pensando no mar, naquela noite em Japara, com a tormenta passando, lembrei desses meus sonhos e se isso poderia acontecer alí. Lembro imaginar o mar, nossa casa, e analisando a situação percebi que, se o mar estivesse assim revolto, nada teríamos para fazer. Fechei a meia porta, voltei, sentei e permaneci calmamente conversando com as pessoas que eu hospedava naqueles dias de festas natalinas. Quando o vento amainou decidimos dormir. Eu deveria ter uns 24 anos mais ou menos, nessa época.

Hoje, passados vinte anos, sinto-me olhando a tormenta passando e tranquilizo-me em saber que em algumas situações nada temos a fazer, afinal não há qualquer forma de barrar o vento em fúria. Apenas posso, calmamente, permanecer conversando com as pessoas que compartilho minha hospedagem.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Torpor...


Você tenta ser o que não é...Conheço seu silêncio, sei o porquê de tratar com banalidade nossa última conversa. Já vi essas cenas, mas você disse que isso não voltaria a acontecer e eu acreditei.

Sua escolha lhe entristeceu essa semana. Sinto muito se ela começou a partir.
Não tenho qualquer responsabilidade sobre vocês. Nunca tive.

Sempre acreditei em você, mesmo quando mentia para mim. Na época não sabia serem mentiras o que dizia. Hoje sei. Hoje sei também que nosso tempo se extingue, apesar do esforço que fazemos em prolongá-lo... Nunca me esforcei tanto, e confesso estar com o corpo dolorido, as pernas cansadas, a cabeça em torpor...

Cada dia que passa duvido mais e vejo como me esconde, como não se interessa pelos meus e minhas coisas. Isso já não dói. Apenas me afasta e deixa as cores mais nítidas. Elas reluzem explodindo em avisos de auto-preservação que gritam, e as palavras ecoam...
Fico encimesmada e meu silêncio cresce, tomando conta de tudo. Não preciso disso. Ninguém precisa.

Tenho necessidade de trocar concepções, de compartilhar idéias e impressões. Sinto falta disso em nós.


Preciso respirar com meus próprios pulmões. Talvez precise mesmo ir. Ainda não sei...