quinta-feira, agosto 17, 2006

Identificação.




Hoje estava a toa e fiquei lembrando de algumas coisas da minha adolescência. Situações sem nexo que eu e minhas amigas fazíamos, para ver mesmo até onde poderíamos ir, para testar nossos limites. Minha experiência com drogas compõe essa lista.

Numa dessas vezes, uma delas descolou uns patetas para gente. Era uma sexta ou um sábado, já não lembro bem. Sei que nos encontramos, tomamos os ACs e decidimos ir ao Cinesesc, lá na Augusta, estava tendo uma mostra boa. Sempre tinha por lá.

Para variar estávamos sem grana, até para a condução, carona era a solução encontrada. Pegamos uma até a Dr Arnaldo, morávamos todas na Lapa, eu, a Ré, a Má e a Marta. Descemos por lá porque o cara ia para outro canto e ficamos de dedão tentando a próxima. Nessas alturas já estava tudo ficando reluzente. Parou um fusca (Nossa!!Esse carro era comum para caramba), azul claro, a Ré conversou com o cara (rodiziávamos as tarefas, cada vez era uma de nós que perguntava o itinerário e combinava até onde iríamos). A Marta entrou, qdo fui entrar,encanei com o figura, comecei a rachar o bico. Essa é uma das reações, a risada vem de bobeira, não dá para segurar. A Ré, puta da vida, me mandou ficar quieta, segurei o riso e entramos todas. No caminho, a gente lembrava disso e ria. O moço todo arrumadinho, cabelo penteado, calça social, super gentil, querendo agradar aquele bando de doidas. Sacou que tinha algo diferente, porque já não falavamos nada com nada, foi paciente e ficou por isso.

Descemos na Augusta, agradecemos, nos desculpamos. Rolamos de rir. Literalmente curvávamos o corpo. Soltas, tresloucadas, donas do mundo. O ácido dá uma incrível sensação de poder, é como se tudo que quiséssemos fosse possível, o mundo todo fica ao alcance das mãos, qualquer coisa que de fato se queira. As horas voam, a noção de tempo se altera e tudo brilha. O cinema já havia fechado.
As horas tinham passado e não tínhamos percebido. Os pensamentos em turbilhão. O que fazer?

Decidimos encontrar outra amiga,na zona sul. Não parar era imperativo. Lá fomos nós. Não sei como chegamos, lembro de estarmos numa praça arborizada, bonita, com luzes amarelas, perto da casa dela. Estávamos sentadas todas, mais uns amigos comuns, batendo papo. Tinham umas figuras muito loucas, mais que nós. Um cara me propôs costurar uma linha, fiquei olhando para ele, imaginando a cena: nós dois sentados juntos em frente a uma máquina de costura antiga, tentando acertar a linha. Eu olhava para ele pensando nisso e ele dizia : - "Vem, vamos lá...quando quiser, tem muita, entendeu?" Apesar de sacar o que ele dizia, minha loucura estava num nível elevadíssimo, acima disso talvez ficasse para sempre. Sabia meus limites, sempre soube.

As meninas me chamaram era hora de zarpar. Madrugada alta.

Novo roteiro definido, dedos prontos, embarcamos em nova carona. Conversa agradável, saltamos num barzinho na Consolação, foi quando me vi. Pela primeira vez me vi numa fotografia pregada na parede desse bar aconchegante. Era a foto de um grande relâmpago. Ele cortava o céu escuro da noite, imprimia sua marca, mas era instantâneo, rápido, fugaz.Incapaz de manter sua fortaleza e luz. Nunca fui tão bem retratada. Uma fortaleza admirada e completamente inútil num processo.

A noite terminou e essa foto me retrata até hoje. Depois de tantos anos, mesmo com a cabeça limpa, continuo assim...Nunca aprendo nada, não sei nada, não sou nada. Apenas um relâmpago que descarrega a eletricidade do céu.

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